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Todas as cores lembram-me dos seus versos
Prefácio escrito por Marcelo Garbine, publicado no livro "Melodia da Alma" de Suely Sette

"Eu, simplesmente, não sei".

É com esta afirmação, categórica e displicente, que dou jeito em muitas dúvidas.

Poucos por ela têm simpatia, pois muito se quer responder quando, de fato, nada se sabe e mais bonito e responsável seria ter a humildade de dizer "não sei".

Eu adoro dizer que não sei. Não sei quais são os mistérios da vida, não sei para onde vou quando os meus olhos definitivamente se fecharem, não sei por que estou aqui.

E isto me faz livre. Livre da escravidão das certezas e da mentira para si próprio que muitos nutrem para calar o medo do desconhecido.

Nesta manhã, por exemplo, eu não sei por quê, assim que acordei, havia uma borboleta azul no meu quarto. Eu poderia, caso quisesse, apressar-me em encontrar uma resposta para tal excentricidade. Qualquer bobagem facilmente tragável que fizessem os meus olhos pararem de arder e lacrimejar por serem alvejados e ofuscados por tão frágil e inocente beleza, tão pura e tão terna.

Por mais desconfortável que fosse por tirar-me da calmaria de mais um crepúsculo, eu preferi ficar com o queimor nos olhos. O máximo que me permiti fazer foi pensar num poema para tentar dialogar com aquele solavanco avassalador que cutucava as minhas entranhas.

E o poema que veio à minha lembrança – nada mais natural que fosse – foi o que li, na noite anterior, antes de adormecer: "(...) Tocada pelo vento sul / Que fará valsarem em par / O colibri e a borboleta azul... / Hoje a poesia passou por aqui... Silenciosa e bela (...)".

Nestes versos, Suely Sette acalenta o desespero do sentir que foge ao meu controle, não me deixando só, ao dizer: "(...) Eu sei, todos sabem enfim / Que chorar é desfazer-se da dor / Libertar a alma e voar... / Para só então voltar / Num céu límpido e azul... / Esperar enfim a noite cair (...)".

Se a borboleta é bela, por que causa dor? Se causa dor, por que é bela a borboleta? Às vezes, penso que o bonito cause dor por evidenciar as lacunas de beleza que edificamos em nosso passado. Dói admitir que perdemos boa parcela do nosso escasso tempo com pensamentos feios. Dói saber que o preclaro estava ao nosso alcance e, por vacilo, não o tocamos.

Já, o motivo da hesitação, eu não sei, assim como não sei de onde veio o pássaro azul que avistei ao abrir a janela: "(...) Quem sabe eu consiga / Devolver ao mundo alegria... Acordando o novo dia/ Com o canto lá do sul... / Trazendo de novo / O lindo pássaro azul... (...)". Mais uma vez, foi a poesia da Rainha Suely que fez companhia à minha alma quando esta parecia afogar-se num mar de interrogações.

Entretanto, por mais fragilizado que estivesse, jamais abriria mão dos meus conceitos. Se a poesia seria minha companheira, ela também precisava – além de pacificadora – ser coerente. Se o céu, a borboleta e o pássaro são azuis, que seja também azul a poesia: "Na imensidão desse azul que me domina / Olho o verso esqueço a rima / Que na liberdade de pousar onde quiser / Vai se fazendo imã... (...)" (Primeira estrofe de "Poema Azul" de Suely Sette).

E o imã se faz para ligar a realidade que presencio com a poesia que a ela dá o sentido da esperança. Afinal, se não fosse a esperança, a mesma esperança que me faz caminhar, "Seguindo em Frente" – "(...) Na relva verde do jardim / Estou olhando as nuvens / Que bailam, só para mim... (...)" – buscando o "Amor Interno" – "(...) Sorveremos da fruta o sabor / E dormiremos um pouco mais / Entrelaçados assim / Na grama verde do jardim (...)" – e deixando falar a "Voz do Inconsciente" – "(...) Deixem–me então com as lembranças / São do verde a esperança /Colorindo hoje meu dia... / Nostalgia... (...)" – nada mais faria sentido – "(...) Se amanhã nada mais fizer sentido / Se o grito que tanto tentei ouvir / Não mais me interessar / Se tudo em que acreditei, voar /Se do que tanto busquei / Se esvair todo sentido /Terei buscado em vão? (...)".

Se o passado não pode ser alterado e o futuro ainda não existe, tudo o que temos é o presente momento. Instante este que somente tem o valor que a ele escolhemos atribuir. E, se esta liberdade tenho, atribuir-lhe-ei o elo mais complacente possível com o ângulo mais aprazível pelo qual posso mirar. E, para isto, valer-me-ei de toda sinestesia que a minha abstração humana é capaz de, analogamente, criar, construindo a mais doce ponte entre vivência e poesia, pois aquilo que mescla naturezas sensoriais distintas permite-nos ouvir cores e ver melodias. E são as cores as matizes sinestésicas que darão sentido às palavras que, por si só, não possuem significado algum, a não ser que haja acordo entre quem fala e quem ouve, quem escreve e quem lê. E acordado que estou com a poesia da vida, vejo, nas cores do mundo, a beleza dos versos de "Melodia da Alma". E, se são estas mesmas cores que dão sentido ao ar que respiro e ao meu coração que pulsa, "(...) Na criança que brinca / Sou colorido e som / Esperança de um futuro bom... (...)". E, mesmo que "(...) Vejo o colorido das ruas / Tão grandes para minha inocência / Doída ausência...", resta-me que "(...) São flores esquecidas / Nos canteiros dessa vida / Ainda assim ofertando cores / Aromas e alegria / Só para enternecer seu dia... (...)".

E as cores que avivam, ora, não são azuis como o céu ou verde como o jardim, são, discretamente, brancas como as cãs de uma senhora – "(...) Que pede muitas vezes um carinho / Afago nos cabelos brancos / A ternura de um sorriso (...)" – ou como as vestes de uma inocente criança – "(...) E a menina que ornaram tanto / Agora se vestiu de branco / Partiu serena (...)".

Como disse, o que temos são "(...) Momentos de candura /Orvalhando a natureza... /Mostram num céu azul turquesa / Sinais de chuvas benfazejas / Inundando os dias quentes / Imponentes... (...), "(...) Mas e a poesia? / Vou ver na janela / Quem sabe me aparece / Numa rosa amarela? / Vou procurar por ela... (...)".

Ao passo que ao nosso alcance está "(...) Coisa de instantes / Inconstantes... / Vontade de voar (...), "(...) Recordar é abrir a janela do tempo / Sacudir a poeira do passado / Clarear as veredas nubladas / Encarar o ontem sem amarras (...)", através da poesia que temos dentro de nós. E, um dia, quando este livro for páginas castigadas pelo tempo, poderemos dizer "(...) Mas, ao pegar descuidada / Vi numa folha amarelada / Um relato inesperado... (...)".

Coincidentemente - ou não - azul, verde, branco e amarelo são as cores da bandeira do meu país, que, no momento em que escrevo este prefácio, atravessa uma delicada crise política e econômica, prática distante da elegância dos versos da poetisa, autora desta Obra. Será um abismo entre o existencial e o fantástico? Ou um chamado para que "(...) Poetas anjos de asas afáveis (...) / De lugares distantes / Carregam na bagagem a melodia / Que pousa por instantes / Depois sai, em voos rasantes / Pousando onde acha abrigo / Espalham alegria / Enchendo o ar de poesia (...) Pela pena que escreve em verde e amarelo... (...) para que o nosso "(...) Brasil de poetas tantos / Faça valer seu encanto / E deixe fluir a rima... / Ela sim domina / Mentes e corações (...)"?

Eu, simplesmente, não sei.

Marcelo Garbine (Mingau Ácido)

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